Segunda-feira, 22 de Novembro de 2004

ESPANHA – GUERRA CIVIL (7)

Espanha7.JPG

AS CRISPAÇÕES

Nenhum conflito, até hoje, envolveu tanta paixão em todo o mundo a tomar partido por um dos lados numa contenda civil como a guerra civil de Espanha. As ideologias estavam no seu esplendor e na máxima crispação, cabeça e coração em sintonia. Os fascismos europeus estavam pujantes e na alvorada das grandes ambições, a atracão soviética estava no zénite. Tudo parecia indicar que o mundo se iria transformar, do pé para a mão, em comunista ou fascista, sem meias distâncias. Lógico que, para as esperanças e os ressentimentos, estivesse a chegar a hora do tudo ou nada. Lógico também que largas manchas de pessoas se sentissem apertadas entre duas tenazes a impor-lhes um futuro de extremos e reagissem com um medo a roçar o pânico ou, já para além dele, na zona do desespero.

Ver os espanhóis dispostos a matarem-se uns aos outros, até ao último espanhol, por fortes motivações ideológicas, ofereceu a este mundo marcado pelo ódio e pelo medo, sentimentos umas vezes separados mas também misturados, uma irresistível atracção. Sobretudo numa fase em que a arte da propaganda, longe ainda da sua fase de saturação e difícil de desmontar nos seus quês demagógicos, atingia a sua máxima criatividade e eficácia.

De um lado, as atracções fortíssimas por um fascismo de primeira geração, pela tradição, pela propriedade privada, pelo atavismo monárquico e pelo catolicismo de paróquia medieva. Na outra margem, os ideais republicanos e liberais, mais a maçonaria, ambos em mistura promíscua com o comunismo bolchevique e o anarquismo, a ambição de liquidar de uma penada as injustiças sociais, ajustando contas com padres, señoritos e burgueses.

A brutalidade do confronto espanhol paralisou de medo as democracias que, segundo as regras, deviam proteger a legalidade espanhola legitimada pelo voto e repudiar os golpistas mobilizados pelas espadas de Sanjurjo, Cabanellas, Franco, Mola e apaniguados. Mas, temerosas de Hitler, sabendo que se interviessem em Espanha teriam de o enfrentar, preferiram lavar as mãos. O matadouro de Espanha ficou, assim, entregue aos extremos que ali viram uma oportunidade para dar uns tiros nos seus demónios. Extremos estes que sabiam que se teriam de defrontar, mais tarde, numa arena muito maior que Espanha, provavelmente do tamanho do mundo. Assim, todo o terreno ganho em Espanha, seria um sinal de força para a luta final. Espanha foi como que um cavar de trincheiras, construídas com cadáveres espanhóis (mais baratos, portanto). Do lado da República e da Democracia, ficaram Estaline, os companheiros de jornada e os idealistas anti-fascistas. Do lado dos golpistas, alinharam-se Hitler, Mussolini e Salazar, com a bênção de tudo que gostava de se acolher debaixo de sotainas, comer toucinho na gordura da grande burguesia ou penando a orfandade de um Chefe autoritário, quanto pior melhor para que o mundo entrasse nos eixos da velha ordem.

Sabe-se quem ganhou. Melhor, ganharam os dois extremos que assaram as castanhas em Espanha. Ganhou Franco. Ganharam as ditaduras fascistas e fascizantes. Ganhou o Vaticano que viu Espanha transformada numa catedral a cheirar a pólvora. Ganhou Estaline que, embora derrotado em Espanha (mas Espanha tinha deixado de contar), pouco tempo depois estava a fazer um pacto de aliança com Hitler, a entregar comunistas alemães à Gestapo e a repartir a Polónia com os nazis.

E quem perdeu? Perderam os espanhóis. Porque mais de um milhão deles tinha transformado a cara numa caveira. Porque, para os que escaparam vivos, o esperavam quarenta anos de franquismo. Porque as sotainas voltaram a obrigá-los a ajoelhar e desfiar o terço. Porque ainda hoje não recuperaram o direito à memória colectiva pois que a democracia, quando voltou, trouxe a anestesia combinada entre os franquistas e os novos políticos democratas, inibidos no medo do passado.

(na foto, combatentes fazem o “juramento da morte”)















publicado por João Tunes às 16:31
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