Quarta-feira, 14 de Abril de 2004

MANIA DE VIAJANTE

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Ainda muito miúdo, eu já ia, em viagem solitária, desde o Barreiro até à minha terra natal, uma aldeia perto de Sabrosa e em pleno Alto Douro. Na época, aquilo parecia quase dar a volta ao mundo. Apanhava o barco que atravessa o Tejo ao fim da tarde, ia de autocarro até Santa Apolónia, apanhava o comboio até ao Porto perto das onze da noite, chegava à Invicta na manhãzinha seguinte, mudava para o comboio da linha do Douro, descia no Pinhão depois da hora do almoço, apanhava a camioneta da carreira para Vila Real e descia na minha aldeia lá para o fim da tarde. Portanto, mais ou menos, vinte e quatro horas de viajar ininterrupto e entregue a mim próprio. Ia munido de todas as indicações e de uma catrefa de bilhetes para os vários troços do percurso. Eu sentia aquilo como uma eternidade. Havia mudanças atrás de mudanças, eu não tinha qualquer noção se estava perto ou longe dos destinos, os bilhetes eram muitos e eu sofria atrozmente com o pesadelo de um revisor se chegar a mim e eu não conseguir encontrar o papel certo. Assim, passava os tempos a verificar que não tinha perdido os bilhetes e a confirmar paragem por paragem que não me tinha nem enganado no trajecto nem ultrapassado o meu destino. Ia procurando cumplicidades e protecção nos adultos que se revezavam como meus companheiros ocasionais de viagem, confirmando se estava no comboio certo e quantas estações faltavam para o meu destino. Cruzava informações de uns passageiros com outros e, se surgiam discrepâncias nas sentenças, sentia-me perdido por não saber em quem acreditar. O pior era quando se aproximava da descida no Pinhão que, na altura, era um mero apeadeiro sem grande frequência. Decorava a sequência das estações anteriores, três estações antes já tinha tirado a mala e encostava-me à porta para usar bem os poucos minutos em que era preciso abrir a porta e saltar para a plataforma agarrado a uma mala quase maior que eu.

Nunca me enganei nos destinos nem nos trajectos. Nunca perdi qualquer bilhete. Mas, ainda hoje, quando viajo, sofro do sindroma de pensar que entrei no veículo errado e que perdi o título de transporte. Mania.



publicado por João Tunes às 14:59
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2 comentários:
De João a 14 de Abril de 2004 às 17:45
Faz muito bem. Abraço.


De Alex a 14 de Abril de 2004 às 17:02
Q inveja destes seus escritos!
A primeira vez que viajei sozinho foi apenas 1 (uma) viagem de férias e já tinha mais de 18 anos

Talvez este ano vá por essa europa fora sozinho


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