Não fosse o súbito amuo crispado do
Tugir, isto até podia ter graça. Eles pelo Rei, eu contra o Rei. Pela minha parte, garanto que tinha. Porque adoro Espanha e os seus povos. Fascinam-me a impetuosidade deles, a diversidade deles, as suas virtudes e os seus defeitos. Quando não se matam uns aos outros, os povos de Espanha são sublimes. Sobretudo pelo empenho que põem em todas as coisas. E, felizmente, agora reduzem-se ao intervalo do mister de matar toiros (e, por isso mesmo, o pior que lhes podia acontecer era proibirem as touradas, porque então o estoque ia sobrar para um vizinho). Porque tudo, neles, é definitivo, mesmo que a seguir partam para outra. Porque são enérgicos a construírem. Embora, desagradavelmente, rudes e repentistas na forma como fazem (é a mania das estocadas). E depois, gosto de Espanha porque Espanha não existe. Em Madrid, compreendo as queixas deles por causa do separatismo parasita. Na Andaluzia, não sei se estou lá ou em Marrocos. Na Catalunha, usufruo da finesse mercantil. No País Basco, divirto-me com o desprezo que eles têm para com o Rei. Na Galiza, sinto-me no Minho. Em Valencia (já o disse, adoro Valencia!), sinto-me em casa mas com mobília nova. Em Navarra, vou à bola com a teimosia deles em serem navarros e nunca bascos, enquanto os bascos os metem na Euskadi. É sobretudo em Espanha que me sinto português. Porque a desunião deles espicaça-me a diferença e a identidade.
(Uma vez, em serviço profissional em Bilbao, calhou coincidir com um jogo Real Madrid-FCP. Eu e os meus três companheiros portugueses, achámos que o melhor mesmo era sairmos do hotel e partilhar o jogo na TV num dos concorridos bares. Afinal, nós os quatro e o resto da maralha espanhola sempre íamos torcer para o mesmo lado (do Real, pois claro). E um jogo internacional misturado com tapas e copas sempre era preferível ao ambiente asséptico que é o melhor que pode dar um hotel. Lá fomos, casa cheia, televisão gigante, barulho a condizer, um olho posto no ecran e outro na tapa. Reagimos à maneira, condizente com a nossa presumida sintonia. Só que começámos a verificar que as reacções dos condóminos bascos iam sempre em sentido contrário às nossas. O pessoal estava todo pelo lado do nosso rival e olhava com desconfiança nada amistosa para aqueles quatro realistas a desafinar a banda. Ao intervalo, rumámos ao hotel para termos paz e sossego na segunda parte. É que os bares de Bilbao estavam cheínhos de portistas.)
Isto tudo, a propósito do fait-divers que é a Boda Real. Mas perdi-me. Fica para próximo post quando retomar o fio à meada. E o sacana do Juan Carlos não perde pela demora.