Pelos vistos, o tema é eterno e infinitas as diferentes maneiras de o ver. Pelo que só pode ter sido um assomo de argúcia aguda o que levou o
Teixeira Pinto a trazer o Almirante Voador Carrero Blanco para a boca de cena e a ETA a ele agarrado. Boa malha, portanto.
Um post que antes coloquei sobre o assunto, motivou interessantes comentários do Vicente Gil, do
Werewolf e do próprio
Teixeira Pinto.
Depois, no
Abre Latas, o assunto volta à baila em que se remata com esta frase:
Suspeito que as acções ETA em finais dos anos 60 deveria certamente atiçar a imaginação de muitas cabeças do lado de cá da fronteira... Pergunto-me inclusive se a ARA (e muitos outros grupos) não teria surgido graças à normatividade positiva que a ETA nessa altura constituía.
Se o tema tem assim tantas pernas para andar, vamos a isso. Ou seja, vão aqui mais umas achas para a fogueira.
1) A apreciação da acção da ETA, antes e depois do regresso da democracia a Espanha, não pode, de facto, ser a mesma. Uma coisa é um grupo nacionalista (independentemente das suas intenções e métodos) recorrer a acções violentas num quadro ditatorial e de repressão feroz a qualquer veleidade autonómica (incluindo a utilização da língua basca). Outra é a deriva violenta num quadro em que os bascos podem levar a sua autonomia até praticamente os limites que entenderem. No primeiro caso, poderá haver alguma condescendência política no seu julgamento (terrorismo ETA versus terrorismo franquista). Hoje, a continuação da actividade da ETA deve-se sobretudo a que, entre os bascos, a adesão ao programa e aos métodos da ETA é ultra-minoritário.
2) Aliás, se ainda não se realizou um referendo entre os bascos para decidir se eles querem só autonomia mas também a independência, deve-se a que ninguém se entende em que espaço e quem deveria votar no referendo. A ETA tem uma matriz etno-racista e sentido imperial. Para a ETA, a decisão cabe exclusivamente aos bascos de nascimento (seriam excluídos os habitantes provenientes de outras regiões de Espanha mesmo que ancestralmente instalados na região basca) e, para eles, o País Basco inclui a
Navarra (quando se sabe que a maioria dos navarros não se consideram bascos mas sim navarros e são ciosos da tradição e história do seu Reino). Quem visitar hoje Pamplona, depara-se com os paradoxos ao virar de cada esquina: ora se encontram simpatizantes da ETA, ora navarros odiando a ETA e
os bascos, saudosistas dos réquétés, monárquicos carlistas que detestam os Borbóns e Juan Carlos I, alunos da Universidade de Navarra por via da militância na Opus Dei. Unem-se, quando muito, na Semana de San Fermín, nas diárias largadas, touradas, bebedeiras e engates. Mas, mesmo aí, há sempre folclore político na cerimónia de abertura. Depois, sim, vem a unidade pelos toros, pelos copos e pela libido. Para tudo recomeçar na semana seguinte.
3) Uma expressão dramática da rivalidade bascos-navarros, esteve bem viva na Guerra Civil de Espanha. Enquanto os "bascos do Norte", foram das fortalezas da defesa da República como condição de sobrevivência da sua autonomia, a maioria dos navarros (através dos réquétés) afirmou-se monárquica e carlista e constituiu uma dos mais combativos e fanáticos apoios da tropa de Franco, de tal modo (que temendo o seu poderio miliciano) o Caudillo os dissolveu no Exército Nacionalista e a ala política dos réquétés foi integrada na Falange. Até ao nível da Igreja Católica, as divisões foram duríssimas a maioria do baixo clero lutou pela autonomia basca contra Franco (os padres bascos autonómicos pagaram um enorme preço repressivo) e a Igreja Navarra (sediada em Pamplona), alinhou (tirando uma ou outra excepção em termos de repulsa para com um ou outro excesso) com a matança franquista.
4) A formação da ETA, como braço radical do independentismo basco, alimentado pela militância de jovens radicais, foi beber em duas inspirações confluentes: um cristianismo redentor alimentado pelo baixo clero basco ressentido com a tremenda repressão de Franco e da alta Igreja, o marxismo-leninismo(maoismo) então a empurrar muitos jovens por toda a Europa para a acção armada. Ou seja, para o tudo ou nada, matar ou morrer.
5) A ETA sofreu sempre de um distorse (e creio que é ele que impede a sua reconversão política e adaptação ao jogo democrático): os alvos são pessoas. Primeiro, foram os inimigos do povo basco membros do aparelho militar e repressivo, jornalistas não simpatizantes da ETA ou dos seus métodos, empresários que resistem a pagar à ETA o imposto revolucionário, políticos que não se afirmam como nacionalistas. E aqui, insere-se o atentado contra Carrero Blanco. Depois, foi o terror avulso em que se incluíram as bombas em supermercados, estações de correio, etc, ou seja, terrorismo tendo a população civil indefesa como alvo. Há, nesta passagem, uma mudança que não é assim tão contraditória.
A génese é a mesma: liquidar pessoas, tentando triunfar pelo terror e pelo medo. Quando assim é, é natural que haja uma degenerescência quase inevitável entre a escolha dos alvos. Depois de se liquidar a tiro um empresário, um jornalista, um tenente-coronel, um autarca, a morte de crianças e velhos nas bombas largadas, são acidentes. Siga a dança (a matança). Que me lembre, a ETA nunca meteu bombas num paiol militar, numa base aérea, num quartel, numa esquadra. Triunfou sempre a primazia da justiça pistoleira, mesmo quando exercida através da bomba (sobretudo em carros armadilhados).
6) Não é justa (nem minimamente rigorosa) a associação entre a ETA e a ARA. O
Raimundo Narciso, numa entrevista que deu ao Bota Acima, por altura de Abril deste ano, explicou o que havia a explicar. Está nos arquivos deste blogue, é só lá ir consultar. A ARA não visava alvos humanos mas sim alvos materiais do aparelho militar e repressivo e teve sempre a preocupação de não fazer vítimas (civis ou mesmo membros do aparelho militar e repressivo). As BR, idem. A haver semelhanças de comportamentos e métodos, no caso português, só encontramos paralelo com a ETA nas FP 25. E a história dessa organização sabe-se bem o que foi e onde levou.
7) Talvez não valha a pena voltar a Carrero Blanco. Este atentado teve o mediatismo do impacto de ser o número dois do regime e entusiasmou pela sua proximidade com o ditador. Daí a celebridade e impacto da frase comemorativa. O problema mantem-se: a ETA, que nem de longe é estimada pela maioria do povo basco, é uma organização que começou a matar pessoas, gostou e hoje continua a matar porque gosta de matar. E matará, sempre e apenas, enquanto existir e puder. São, no meu entender, um grupo de assassinos com invocação (abusiva!) de uma causa.
Venham de lá os contra-argumentos.