OS SINAIS DE UMA GUERRA CIVILUm dos aspectos que mais me impressionou na leitura de La última Batalla, Derrota de la República en el Ebro ( por Kim Amor I Sagués, Edições Oberon), prende-se com a reconstituição da vida dos sobreviventes civis das vilas e aldeias onde se desenrolaram os violentos combates da batalha do Ebro em 1938 (abrangendo meia dúzia de localidades na margem direita e em que a mais importante era e é Gandesa, quase em linha recta a sul de Lleida e não muito longe desta cidade catalã).
A zona era habitada por gente vivendo da agricultura. Tratando-se de uma zona montanhosa e pedregosa, os cultivos eram à base de vinha, oliveira, amendoeira e avelaneira. Nos vales junto ao rio, cultivava-se milho e produtos hortícolas. Mal dava para a subsistência, mas ia-se vivendo. Com a violência dos combates, a população (algumas centenas de velhos, inválidos, mulheres e crianças pequenas) que não estava em condições de pegar em armas, e que não fugiu para a margem esquerda, refugiou-se em buracos, cavernas, túneis e casas de gado dispersas, sobrevivendo, os que sobreviveram, a alimentar-se de ratos, raízes e alimentos silvestres. Aí estiveram encafuados os quatro meses que durou a refrega, enquanto as suas casas eram reduzidas a ruínas e os campos dizimados pela metralha saída da artilharia e dos aviões. No final, praticamente não sobrou uma casa e uma árvore em pé. E os campos ficaram inaptos para a agricultura, ardidos, pisados por pés, tanques e peças de artilharia, retalhados por trincheiras e repletos de metralha, munições não deflagradas e cadáveres, muitos cadáveres. Praticamente não sobrou um palmo de terra para cavar e plantar. Sem casas e sem meios de subsistência, aquelas centenas de desgraçados tiveram de recomeçar as suas vidas abaixo de zero.
Como sobreviver no pós-guerra? Dadas as carências industriais da Espanha destruída, a sucata era um bem procurado e valorizado como matéria-prima para a recomposição da indústria siderúrgica. Então, aqueles agricultores passaram uns bons dez anos reconvertidos em recolhedores de sucata. Os homens (muitos deles, guerreiros sobreviventes, regressados com o fim da guerra) saiam para os campos, cavavam, cavavam e iam amontoando projécteis, estilhaços e restos de blindados, veículos e armamento, enquanto iam empurrando os cadáveres para o lado. Depois, vinham as mulheres e as crianças com cestos a recolher a colheita que era depositada em armazéns e depois vendida a sucateiros que a recolhiam mediante pagamentos mais ou menos simbólicos mas que assegurava a sobrevivência e a reconstituição dos seus suportes gregários. Muitos dos recolhedores de sucata (sobretudo crianças) foram despedaçados por projécteis que não tinham deflagrado durante a batalha. Foi essa a base de reconstituição das vidas daquelas gentes, até que a agricultura pudesse retomar as suas raízes. Ir a lo hierro chamavam eles à sua nova actividade. Uma actividade vivendo dos despojos da morte de cem mil espanhóis na Batalha do Ebro. Porque a morte continuou muito para além do fim da guerra. Aliás, a morte da Guerra Civil de Espanha, continua ainda hoje através da morte da memória, assassinada em cada dia mais de esquecimento.
(na foto, uma imagem da Batalha do Ebro)